Na segunda metade de Oitocentos, vários factores juntam-se para marcar o ponto de viragem do Douro pombalino para o Douro contemporâneo, promovendo muitas mudanças na viticultura duriense. Depois das destruições provocados nos anos cinquenta pelo oídio, é a filoxera que, a partir da década seguinte, reduz a mortórios grande parte do vinhedo da área demarcada. Em 1865, instaurou-se um regime de liberdade comercial que constitui, de facto, ao nível regional, a abertura da linha de demarcação, permitindo a expansão rápida do vinhedo no Douro Superior, onde o ataque da filoxera foi mais tardio e menos violento.
Descobrem-se novas práticas de preparação do terreno, alteram-se as práticas de plantação da vinha, escolhem-se as melhores castas regionais para enxertia, difunde-se a utilização racional de adubos e fito - sanitários, aperfeiçoam-se os processos de vinificação...
No final do século, é bem visível o impacto da filoxera no reordenamento do espaço regional.
Aos poucos reorganizado e estendendo-se agora a uma área muito maior, o vinhedo duriense contará, a partir de finais dos anos oitenta, com outro inimigo, bem mais destruidor que as doenças da videira - a crise comercial. Paralelamente, a fraude. As imitações de vinho do Porto tornam-se mais usuais nos nossos principais mercados, onde se vendem os French Ports, os Hamburg Ports, os Tarragona Ports, por preços inferiores aos genuínos Port Wínes.
Crise comercial e a crise da lavoura, o Douro era um retrato de miséria.
Ao iniciar a ditadura, a 10 de Maio de 1907, João Franco assinava um decreto que vinha regulamentar a produção, venda, exportação e fiscalização do vinho do Porto, regressando aos princípios que existiram, 150 anos antes, a política pombalina de defesa da marca. Foi novamente demarcada a região produtora, abarcando agora o Douro Superior.
Usava-se um exclusivo da barra do Douro e do porto de Leixões para a exportação dos vinhos do Porto, reservando-se a denominação de Porto para os vinhos generosos da região do Douro, com graduação alcoólica mínima de 16,5º. A protecção e fiscalização da marca ficavam ao dispor da Comissão de Viticultura da Região do Douro.
Foi actualizado a cadastro dos vinhedos. De acordo com a localização, as características do terreno, as castas e a idade da vinha, a Casa do Douro atribui anualmente a cada viticultor uma autorização para produzir uma quantidade de mosto determinada, a que corresponde uma certa qualidade (da letra A, o melhor, até à letra F) e um preço correspondente. É o sistema de benefício.
A partir dos anos 50, desenvolve-se o movimento cooperativo, que, nos inícios da década seguinte, abarcará cerca de 10% do número de produtores e da produção vinícola regional.
Após 1974, a organização corporativa é extinta, mas a Casa do Douro e o Instituto do Vinho do Porto mantêm as suas funções básicas de defesa da qualidade da marca. Por seu turno, o Grémio dos Exportadores deu lugar à Associação dos Exportadores do Vinho do Porto, que passou a designar-se, mais recentemente, Associação das Empresas de Vinho do Porto.
Entre as empresas exportadoras, tem-se verificado uma tendência para a concentração. Paralelamente, algumas dessas empresas têm realizado grandes investimentos na área da produção, adquirindo quintas e vinhedos, e fazendo novas plantações. Em movimento inverso, alguns produtores lançam-se, desde 1978, no circuito da comercialização directa, recuperando uma prática perdida em 1926. Em 1986, cria-se a Associação de Produtores Engarrafadores de Vinho do Porto, visando sobretudo a exportação directa, a partir das quintas do Douro, em nome dos respectivos produtores.
Em 1995, a região Demarcada do Douro viu alterado o seu quadro institucional. Passou a estar dotada de um organismo interprofissional, - a Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD), no qual tomam assento, em situação de absoluta paridade, os representantes da lavoura e do comércio, com o objectivo comum de disciplinar e controlar a produção e comercialização dos vinhos da região com direito a denominação de origem. As alterações introduzidas respeitam, contudo, as especificidades históricas, culturais e sociais da região, seguindo as linhas orientadoras da lei - quadro das regiões demarcados vitivinícolas. São as duas secções especializadas que compõem o Conselho Geral da CIRDD que determinam as regras aplicáveis a cada uma das denominações, nos termos da legislação em vigor. Uma é relativa à denominação de origem " Porto " e outra aos restantes vinhos de qualidade (" vqprd ") da região
As exportações aumentaram a um ritmo avaçalador, atingindo, em 1924/1925, mais de cem mil pipas, nível que só seria ultrapassado em finais da década de 1970.
Porém, a situação nas aldeias do Douro não parece ter sofrido melhorias significativas. A miséria e a fome agravavam-se por causa da subida dos impostos e dos preços dos produtos, no fim da Monarquia e durante a 1ª República. A agitação política e social do primeiro quartel do século XX marcou um dos períodos mais turbulentos da história do Douro. As manifestações, os comícios, os motins, os incêndios de comboios com aguardente do Sul, os assaltos a Câmaras e Repartições Públicas.
O novo regime nascido do levantamento militar de 28 de Maio de 1926 viria impor novas alterações na organização do comércio de vinho do Porto e da lavoura duriense, reforçando o intervencionismo estatal.
Logo em 1926, foi desenvolvido o Entreposto de Vila Nova de Gaia, que deveria funcionar como prolongamento da região produtora. Todas as empresas ligadas ao comércio do vinho passariam a ter aqui obrigatoriamente os seus armazéns de envelhecimento, acabando, na prática, com a comercialização directa, a partir do Douro.
Em 1932, o regime corporativo organizava os Grémios da Lavoura, com representação dos Sindicatos locais, constituídos pelos proprietários cabeças - de - casal. Por seu turno, os Grémios Concelhios passariam a associar-se na Federação Sindical dos Viticultores da Região do Douro - Casa do Douro, organismo encarregado de proteger e disciplinar a produção. Regulamentação posterior (decreto de 30 de Abril de 1940) atribui-lhe poderes para elaborar a actualizarão do cadastro, distribuir o benefício, fornecer aguardente aos produtores, fiscalizar o vinho na região demarcada e conceder as guias para os vinhos a ser transportados para o Entreposto de Gaia.
Em 1933, era organizado o Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto, associação do sector comercial com as funções de zelar pela disciplina do comércio.
As actividades da Casa do Douro e do Grémio dos Exportadores passam a ser coordenadas pelo Instituto do Vinho do Porto, organismo criado nesse mesmo ano, com as funções de estudo e promoção da qualidade, fiscalização e propaganda do produto.
Durante quase dois milénios, fez-se, na encostas xistosas do vale do Douro, a paisagem vitícola singular e um vinho excepcional. Mais que um dom da natureza, o vinho do Porto é, na sua essência, um património cultural colectivo de trabalho e experiências, saberes e arte, que várias acumularam. O vinho do Porto foi é um produto chave da economia nacional e ainda mais um valor simbólico que distintamente representa Portugal no mundo.
A história do Alto Douro é muito antiga. Não faltam descobertas arqueológicas e referências documentais a testemunhar a persistência cultural do empenho vitivinícola de outras eras.
Indo aos séculos III-IV existem vestígios de lagares e vasilhame vinário, um pouco por toda a região duriense. Porém, o vinho do Porto surge apenas na segunda metade do séc. XVII, numa época de expansão da viticultura duriense e de crescimento rápido da exportação de vinhos.
No último terço do séc. XVII, em tempo de rivalidades entre os impérios marítimos do Norte, os Flamengos e os Ingleses aumentam a procura dos vinhos ibéricos, por causa em detrimento dos de Bordéus e de outras regiões francesas. A Inglaterra importa crescentes quantidades de Porto. Em 1703, no Tratado de Methuen virá festejar no plano diplomático este fluxo mercantil, prevendo a contrapartida de privilégios para os tecidos britânicos no mercado português.
A produção duriense, é estimulada pela procura inglesa crescente e preços altíssimos, tenta adaptar-se às novas exigências do mercado. Mas, como acontece a todos os grandes vinhos, o negócio rivaliza interesses, suscita fraudes e abusos.
A partir de meados do séc. XVIII, as exportações estagnam, ao passo que a produção vinhateira parece ter continuado a crescer. Os preços baixam em flecha e os ingleses decidem não comprar vinhos, acusando os lavradores de promover adulterações.
Nesta crise comercial guiará, por pressão dos interesses dos grandes vinhateiros durienses junto do governo do futuro Marquês de Pombal, à criação da instituição da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, em 10 de Setembro de 1756. Com ela tentava-se assegurar a qualidade do produto, evitando adulterações, equilibrar a produção e o comércio e estabilizar os preços. Procede-se à primeira «demarcação das serras». A região produtora é recebida por 335 marcos de pedra com a designação de Feitoria, que indicava o vinho da melhor qualidade, único que podia exportar-se para Inglaterra, vulgarmente conhecido por vinho fino.
Moscatel é o nome dado a uma variedade de uva branca bastante adocicada que costuma comparar com o vinho do Porto.
Vários vinhos e espumantes são produzidos a partir da uva Moscatel, tendo sempre a característica adocicada. Em geral, acompanham muito bem sobremesas e, quando gelados, são refrescantes e também como aperitivo.
A uva Moscatel é originária do sul da Itália, onde são produzidos seus principais vinhos. Destacam-se também os vinhos Moscatel de Portugal, na região de Setúbal e Douro Favaios e os espumantes Moscatel produzidos no Brasil sendo a Cave Antiga um dos mais premiados nas Américas.
Os vinhos Moscatel têm propriedades medicinais, ajudando a curar lesões desportivas.
Sobre a vegetação que existe numa curva apertada do rio e apercebemos de uma corrente de vapor negro era um comboio do “Douro”. O apeadeiro da Estação do Pinhão, situado no concelho de Alijó, no coração do Douro Vinhateiro, é percorrido por uma ensiadade de expectativa. Dentro em pouco, um resfolgar possante de vapores, ferro, água e madeiras, ir-se-á deter; exibindo-se como um dos testemunhos do esforço ciclópico que foi tornar o Douro paisagem natural e, aparentemente indomável, em Douro paisagem humana. O Comboio Histórico do Douro, gerido com fins turísticos pela CP Regional, acaba de cumprir a primeira etapa desde a Régua. A máquina abranda, exalando um último suspiro de força. A velhinha locomotiva Henschel & Sohn, de 1923, inspira-nos a nostalgia de encontros e partidas em antigas estações nevoentas. A caldeira chia alimentada pelas brasas de toneladas de carvão em ebulição. A estação é invadida por um odor acre, uma mistura de vapor, de fricção, de óleo. Há um ranger das madeiras das carruagens, impecavelmente cuidadas. As grandes janelas de guilhotina revelam-nos um interior quase lotado, com passageiros acomodados em assentos de espaldar.
O Douro do século XXI ganha graças de século XIX, com ares de festa. Figurantes trajados à época recriam tradições populares. Há animação com um grupo de músicos e cantares regionais, distribui-se bola, roda o vinho do Porto em cálices e a água que refresca. Há, por certo, um pouco daquilo que foi a inauguração, em Setembro de 1887, do primeiro troço desta Linha, ligando Foz Tua a Mirandela, com a presença do rei Dom Luís I e da rainha Dona Maria Pia.
Há um quebrar na aragem vivificante que invade o interior das carruagens. Percebemos o refrear na velocidade e leves arremessos de travagem. O comboio prepara a sua entrada na estação de Foz Tua, no concelho de Carrazeda de Ansiães. Sentimo-nos a cair, de novo, na dormência das margens. Está completo o percurso que liga o Pinhão até às margens do rio Tua, afluente do Douro. Aproveitamos a paragem técnica para abastecimento da locomotiva e saímos da estação.
Descemos um caminho estreito que leva até à beira rio. Contornamos pequenas hortas, alguns laranjais, muitas oliveiras carregadas de azeitona ainda verde. O sol desce e a sombra propiciada pelos montes na outra margem invade o rio. O Douro veste os ares de final de tarde e parece mudar de personalidade, capturando a escuridão entre margens. Apesar de amaciado, em parte domado, apropriado pelo homem que o tornou protagonista da sua história, o Douro mantém uma aura de impossibilidade, como enorme criatura que se enrosca, impassível, em si própria.
Um silvo de vapor desperta-nos para a estação próxima.
Soa o apito. Há um rápido retorno às carruagens. Um impulso mecânico, inicialmente tímido, torna-se mais afoito. O comboio parte em direcção à estação de Foz Tua. São pouco mais de 12 quilómetros que valem cada metro em história. Estamos no coração de uma paisagem reconhecida em 2001 pela UESCO como Património da Humanidade, na categoria de paisagem cultural. O movimento da locomotiva agarra punhados de ar e carrega-nos para uma viagem de frescura. O rio está perto, correndo num movimento quase imperceptível. Actualmente, salvo as cheias das invernias mais severas, o Douro é um rio plácido, amaciado pela necessidade histórica de o tornar um elo seguro e eficaz de ligação comercial. O desnível do rio favoreceu um dos grandes empreendimentos do Douro, a construção de barragens como as do Picote, Bemposta, Pocinho, Valeira, Tabuaço, Régua, Carrapatelo.
Domou-se o rio selvagem que fazia temer e suplicar quem o subia. Um rio que dragou muitas vidas e tornou alguns naufrágios célebres, como o do barco onde viajavam Dona Antónia Ferreira (que para a posteridade ficaria conhecida como A “Ferreirinha”) e o Barão de Forrester. Conta a voz popular que ter-se-á salvo a primeira figura graças às saias em balão e sucumbido a segunda, carregado com moedas de ouro no cinto.
Rápidos, “saltos”, caudais violentos, rochedos à superfície, leitos pedregosos; o Douro foi sempre natureza extrema. Frequentemente o fio de água dos verões secos tornava-se um tormento de águas em fúria no Inverno. Era uma época em que o Douro não era turismo, antes sim um elo de intercâmbio entre o litoral e o interior. A viagem era lenta. Levava-se quatro a oito dias, dependendo dos humores das águas, para percorrer os cerca de 100 km de distância entre o Porto e a Régua. O percurso impunha a presença de estalagens, vendas, quintas, para abrigo dos passageiros. Os cais agitavam-se com o afã dos barcos rabelo, verdadeiros conquistadores do Douro e símbolo do rio e do transporte do Vinho do Porto. Um símbolo exibido, hoje em dia, no Cais de Gaia. A navegação rio acima faz-se actualmente de forma bem diferente e com fins essencialmente turísticos.
Cruzamo-nos com algumas das modernas embarcações que singram o rio. Ao apito do comboio responde o troar poderoso da sirene do barco de cruzeiro. Um diálogo cúmplice entre duas épocas. Aqui, ao ritmo preguiçoso marcado pela locomotiva, custa-nos crer, que esta dormência de vapor tivesse acelerado o compasso das mudanças. O caminho-de-ferro alterou profundamente a região. As viagens tornaram-se mais rápidas, o comércio intensificou-se. O Douro não voltaria a ser o mesmo.
O Douro é, aqui, frente ao Pinhão, na confluência do rio com o mesmo nome da localidade, uma entidade já madura. O rio traz um longo percurso percorrido desde os picos da serra do Urbião em Espanha, algumas centenas de quilómetros para montante. Em Miranda, entre fragas intransponíveis, o Douro encontra território português para, finalmente, nos ares vivificantes do Atlântico, se despedir do seu trajecto continental. Ai, na Foz, não é o rio das grandes fragas, mas sim a alma ribeirinha da arquitectura dramática do Porto.
Bem contados, o gigante fluvial do Norte, tem perto de 850 quilómetros, repartidos entre dois países. Em Portugal, percorre parte dos distritos de Bragança, Guarda, Viseu e Porto. O Douro é rio, mas também é região.
Na plataforma aberta na traseira da carruagem, abstraímo-nos momentaneamente do frenesim, fruímos o sol generoso que espicaça o odor floral dos canteiros da estação. Outubro vai avançado e o Outono começa a intrometer-se discretamente nestes vales profundos durienses. O afã da vindima que animou Agosto e Setembro já terminou; a vinha abandona os verdes intensos do estio e ganha uns maduros tons de cobre.
Sobre a paisagem em frente, compomos um exercício cénico. Juntamos o céu, de um azul fixo e intenso, às arribas em sobreposições dramáticas e ao rio, simultaneamente elemento da paisagem e seu apropriador. O Douro captura na placidez das águas toda a envolvente.
Esta é, porém, uma serenidade apenas aparente. Há em toda a paisagem que acompanha o rio um murmúrio de esforço, de luta face ao rio rebelde e às arribas agrestes. Esta paisagem é drama em sentido cénico, esculpido por mão humana, em anfiteatros imensos que galgam montanhas, percorrendo-lhes a fisionomia em socalcos de xisto, multiplicados a uma escala que diríamos além humana. Sobre os terraços a quem chamaram o “tormento do Douro”, repousa a razão primeira para esta geografia talhada à mão, os incontáveis pés de vinha, dispostos em carreiros regulares, amadurecendo a uva que resultará nos Vinhos do Douro e no seu expoente máximo, o Vinho do Porto, verdadeiro elemento unificador da região.
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